quinta-feira, 19 de maio de 2016

[Artigos Traduzidos] Por que Ana Bolena teve que morrer?

Foi ela enredada por uma conspiração, a vítima de sua própria língua solta, ou apenas culpada da acusação? Suzannah Lipscomb tenta desenterrar o real motivo de Henry VIII ter enviado sua segunda esposa, Ana Bolena, para o bloco.
*Este artigo foi primeiramente publicado em Abril de 2013 pela BBC History Magazine

A mais famosa representação de Ana Bolena. Existem várias reproduções deste retrato glamuroso, na qual ela usa o famoso colar de B.  Ele data de 50 à 60 anos depois da morte de Ana, embora pode ser derivado de um retrato, agora perdido, produzido durante sua vida. (Copyright NPG)

Na manhã de 19  de Maio de 1536, Ana Bolena escalou o andaime erguido em Tower Green , dentro das paredes da Torre de Londres. Ela fez um discurso elogiando a bondade e a misericórdia do rei, pediu  para os que estavam reunidos que orassem por ela . Então, tirou o fino vestido  e ajoelhou-se - e o caro carrasco francês que Henry VIII tinha contratado balançou sua espada e " dividiu seu pescoço em um golpe ".

Sua morte é tão familiar para nós que é difícil imaginar o quanto pode ter sido chocante: a rainha da Inglaterra executada sob acusação de adultério, incesto e conspiração para a morte do rei. E não apenas qualquer rainha: essa era a mulher pelo qual Henry VIII abandonou sua esposa de quase 24 anos de casamento, esperou 7 longos anos para se casar, e até mesmo rebelou-se contra a Igreja e religião de seu próprio país. Ainda, apenas três anos depois sua cabeça foi decapitada - e a razão de sua morte continua sendo um dos grandes mistérios da história da Inglaterra. 

Até os dias de hoje, historiadores não conseguem concordar sobre o por quê de ela ter que morrer. O relacionamento de Henry e Ana declinou de forma tão terminal que foi necessário com que Henry inventasse acusações contra sua esposa? Foi Thomas Cromwell o responsável pela morte de Ana? Ou ela era apenas culpada das acusações colocadas sobre ela? As evidências são limitadas - mas existem suficientes para dividir opiniões e apoiar diversas conclusões. 
Existe um número de fatos indisputados em relação à queda de Ana. No domingo de 30 de Abril de 1536, Mark Smeaton, um músico da corte da rainha, foi preso; ele foi interrogado na casa de Cromwell, em Stepney. Na mesma noite o rei teria adiado uma viagem com Ana para Calais, planejada para 02 de Maio. 
No dia seguinte, Primeiro de Maio, Smeaton foi transferido para a Torre. Henry participou das justas de Primeiro de Maio, em Greenwich mas deixou abruptamente seu cavalo com um pequeno grupo de amigos íntimos. Estes incluíam Sir Henry Norris, um servo pessoal do rei e um de seus amigos mais próximos, na qual ele questionou durante a jornada. Ao amanhecer do outro dia, Norris foi levado para a Torre. Ana e seu irmão George, Lord Rochford, também foram presos.
 
Em 04 e 05 de Maio, mais cortesãos da câmara privada do rei – William Brereton, Richard Page, Francis Weston, Thomas Wyatt e Francis Bryan – foram presos. O último foi questionado e solto, mas os outros foram aprisionados na Torre. Em 10 de Maio, um grande júri indiciou todos os acusados, além de Page e Wyatt. Em 12 de Maio, Smeaton, Brereton, Weston e Norris foram julgados e condenados culpados. Em 15 de Maio, Ana e George foram julgados dentro da Torre por uma corte de 26 pares presidida pelo seu tio, Duqye de Norfolk. Os dois foram julgados culpados de alta traição. Em 17 de Maio, o Arcebispo Thomas Cranmer declarou o casamento de Henry e Ana como nulo, e até o dia 19 de Maio, todos os seis foram executados. Mais tarde, naquele dia, Cranmer emitiu uma dispensa, permitindo com que Henry e Jane Seymour se casassem;  eles noivaram em 20 de Maio e se casaram dez dias depois. 

O que poderia explicar essa rápida e surpreendente reviravolta nos eventos? A primeira teoria, argumentada por GW Bernard, biógrafo e estudioso dos Bolena, é simplesmente que Ana era culpada das acusações contra ela. Ainda que ele esteja equivocado, sugerindo o veredicto jurídico escocês de 'não provado' – ele conclui que, apesar de as evidências serem insuficientes para provar que Ana e aqueles que foram acusados com ela eram culpados, também não existe nada que prove sua inocência.

A culpa de Ana era, naturalmente, a linha oficial. Escrevendo para o bispo de Winchester, Stephen Gardiner, Cromwell afirma com certeza que – antes do julgamento de Ana – que “a forma de viver inconstante da rainha era tão patente e comum que as damas de sua câmara privada não podiam guardar segredo sobre isso." A peça chave de evidência era, sem dúvidas, a confissão do primeiro homem acusado, Smeaton, dizendo que ele havia tido relações sexuais com a rainha três vezes. Embora isso provavelmente foi obtido através de tortura (as contas variam), ele nunca retratou sua confissão. Pelo contrário, ela foi tomada como verdade e isso catapultou a investigação para um diferente e mais sério nível. Todas as evidências  foram estragadas com uma pressuposição de culpa. Henry VIII questionou intimamente Norris, prometendo-o “perdão, caso ele proferisse a verdade", o que deve ser entendido assim: o que quer que Norris tenha dito, ou se recusou a dizer, isso reforçou a convicção de Henry sobre sua culpa. 
Outra evidência sobre a culpa de Ana não é clara - os documentos de julgamento não sobreviverem. Sua acusação, entretanto, frases que diziam que Ana “foi falsa e traidora, adquirindo por conversas e beijos, toques, presentes e outras incitações infames, investigando os servos diários e familiares ao rei para se tornarem seus adúlteros e concubinos, de modo que vários cederam às suas provocações infâmes”. Ela também, segundo a acusação, “procurou e incitou seu próprio irmão de sangue... a violá-la, seduzindo-a com sua própria língua na boca de George e a de George em sua boca." Ainda, como outro biógrafo dos Bolena, Eric Ives, notou, três quartos das acusações específicas podem ser desacreditadas, mesmo 500 anos depois. 

Legítima e verdadeira esposa 

Certamente, Ana manteve sua inocência. Durante seu aprisionamento, Sir William Kingston, guarda da Torre, reportou as declarações de Ana para Cromwell. Sua primeira carta detalha a ardente declaração de inocência de Ana: “Eu sou tão limpa da companhia de homens, como sou do pecado... Como eu sou clara com você e a verdadeira e legítima esposa do rei.”
Alguns dias depois, Ana confortou à si mesma de que ela teria justiça, dizendo que “se algum homem me acusar, eu posso dizer ou melhor, eles não podem trazer nenhuma testemunha.” Crucialmente, na noite antes de sua execução, ela jurou estar “em perigo da condenação de sua alma”, antes e depois de receber a Eucaristia, que ela era inocente – um ato sério naquela época religiosa. 


Pintura de Édouard Cibot de 1835 retrata Ana aprisionada na Torre de Londres. A rainha afirmava sua inocência até o final.(Copyright Bridgeman Art Library)

Ana não estava sozinha ao proferir sua inocência. Assim como Sir Edward Baynton colocou: “Nenhum homem iria confessar qualquer coisa contra ela, apenas Mark sobre qualquer coisa realmente.” E até mesmo Eustace Chapuys, embaixador do Imperador Romano Charles V e arqui-inimigo de Ana, finalmente concluiu que além de Smeaton teria sido “condenado sob o pressuposto e a presunção de certas indicações, sem uma prova válida ou confissão.”

Outro grupo de historiados favoreceram explicações de que Ana foi vítima de uma conspiração de Thomas Cromwell e uma facção da corte envolvendo os Seymours. Isso descansa sobre o ponto de vista de que Henry era um rei flexível, cujos cortesãos poderiam  “convencê-lo” em uma ação e aconselhá-lo “de uma crise” até rejeitar Ana. Mas por que Ana e Cromwell deveriam deixar com que antigos aliados da tendência reformista cair fora? Diferentes opiniões supostamente surgiram sobre a utilização dos fundos resultantes da dissolução dos mosteiros, bem como problemas de política externa – aparentemente motivos importantes para destruir uma rainha.  Foi sugerido que a facção de Cromwell queria substituir Ana por  Jane Seymour. Chapuys mencionou Jane em uma carta em 10 de Fevereiro de 1536, reportando que Henry enviou-a como presente uma bolsa cheia de jóias, acompanhada por uma carta. Ela não abriu a parte, que – Ives especulou – continha uma convocação para a cama real. Ao invés disso, ela beijou a carta e devolveu-a, pedindo ao mensageiro para dizer ao rei que “ não existia tesouro no mundo que ela valorizasse mais que sua honra,” e se o rei quisesse dá-la um presente, ela implorava que fosse “um momento que Deus à presenteasse com um casamento vantajoso”. Tal resposta calculada é uma reminiscência de Ana durante seus dias de cortejo com Henry. Em resposta à timidez de Jane, foi dito que o amor de Henry por ela “maravilhosamente aumentou”. No entanto, ela foi descrita como uma moça a quem o rei "servia" – uma palavra que entregava que o rei a queria como sua amante. Existe pouca evidência de que, antes de Ana ser acusada de adultério, Henry tenha planejado fazer de Jane sua esposa. Casar-se com Jane foi, certamente, um sintoma e um produto da queda de Ana, não a causa. 

A evidência central que seria o pivô de uma conspiração é uma observação feita por Cromwell para Chapuys depois da morte de Ana. Em uma carta à Charles V, Chapuys escreveu que Cromwell disse à ele “il se mist a fantasier et conspirer le dict affaire,” que foi traduzido como “ele se pôs a inventar e conspirar sobre o affair,” sugerindo que Cromwell armou tudo contra Ana. Crucialmente, entretanto, essa frase é frequentemente usada fora de contexto. A sentença anterior de que “ele mesmo [Cromwell] tenha autorizado e comissionado para o rei  processar e trazer um final ao julgamento da amante, o que fez com que ele tivesse se metido em grandes problemas.” Se aceitarmos essa conta, é impossível Henry VIII da culpa – Cromwell afirmou não ter agido sozinho. Foi proposto, portanto, que Henry pediu para Cromwell livrar-se de Ana. David Starkey sugeriu que “a personagem orgulhosa e abrasiva de Ana logo se tornou intolerável para seu marido.” JJ Scarisbrick, autor do  autoritativo volume sobre Henry VIII, concordou: “O que uma vez foi paixão devastadora, acabou se tornando em ódio sanguinário, por motivos que nós nunca iremos saber completamente." 

Brigas de amantes

Evidência desse ponto de vista é tirado de escritos do sempre esperançoso Chapuys. Como um Católico e apoiante de Catarina de Aragão, ele se referia à ana como "a concumbina" ou "a demônia", e tinha feito afirmações amargas e condenava o relacionamento de Henry e Ana, mesmo  no auge de sua felicidade no final do verão de 1533. Mas  Chapuys mesmo reconheceu que Henry e Ana sempre haviam sido propensos à "brigas de amantes", e que o rei era muito "mutável".  

Verdade seja dita, Henry e Ana eram diretos um com o outro:  eles ficavam bravos, gritavam e ficavam enciumados. Mas eles sempre eram frequentemente descritos como "felizes" juntos; o que ainda era repetido até o outono de 1535 – e que um visitava o quarto do outro com mais frequência que qualquer outra união de Henry. Bernard descrevia o casamento dos dois como “tumultuosa relação de dias ensolarados e tempestades”.

Alguns proporam que o aborto espontâneo de um feto do sexo masculino que Ana sofreu em Janeiro de 1536 conduziu inexoravelmente sua queda. A causa foi por Henry pensar que Ana nunca iria lhe dar um herdeiro, e, com isso, considerar o fim de seu casamento? Certamente, o rei era reportado como ter mostrado “grande desapontamento e tristeza” com esta situação. Chapuys escreveu que Henry,  durante sua visita aos aposentos de Ana após a tragédia, disse muito pouco, exceto: “Eu vejo que Deus não irá me dar um filho homem.”
Então Henry deixou Ana em Greenwich para convalescer enquanto ele foi para Whitehall marcar o dia do festim de St Matthew. Chapuys, em ves disso, maliciosamente, interpretou isso como uma amostra de que Henry havia abandonado Ana, “enquanto em tempos passados ele mal podia passar uma hora longe dela”. Claramente, o aborto foi um grande golpe para Henry e – ainda, mais quatro meses se passaram antes da morte de Ana, então demonstrando um link direto entre os eventos que seriam problemáticos. 

Outra história, reportada por Chapuys, são frases de Henry contando à um membro da corte indefinido de que ele havia casado com “seduzido e hipnotizado por sortilèges”. Essa última palavra pode ser traduzida como 'sortilégio, feitiços, encantos', e foi o que criou a sugestão de que Ana Bolena praticava bruxarias. Ainda que esta seja uma das acusações que ela recebeu, não existem registros da acusação. 

Ives, no entanto, apontou que no inglês primário, o significado de sortilèges nessa época era algo como ‘adivinhação’, uma tradução que já muda o significado do comentário de Henry. Isso poderia implicar que ele foi induzido a se casar com Ana por profecias antes do casamento de que ela lhe daria filhos, ou poderia simplesmente se referir a antiga paixão ou 'feitiço' de Henry por Ana. A ideia de que Henry tenha sido “seduzido por bruxaria” se juntou a outra teoria, de que o motivo pelo qual Ana caiu foi por causa de seu aborto em Janeiro de 1536 e que o feto era deformado. De acordo com a especialista nos Tudor, Retha Warnicke, a visão de uma “massa sem forma de carne” provou na mente de Henry de que além de uma bruxa, Ana era promiscuamente adúltera. Mas essa descrição vem de um propagandista católico, Nicholas Sander, escrevendo 50 anos depois; não existe evidências contemporâneas que provem esta teoria. 


Ana recebe a notícia de sua sentença de morte em uma pintura de 1814 Pierre-Nolasque Bergeret, hoje no Louvre. (Copyright AKG)

Golpe diplomático

Um evento em Abril de 1536 sugere que, apenas semanas antes de Ana ser executada, Henry ainda estava comprometido à seu casamento. Nos meses iniciais de 1536, Henry estava aumentando a pressão de Charles V reconhecer Ana como sua esposa. Em 18 de Abril ele convidou Chapuys para a corte. Eventos naquele dia foram deliberadamente encenados: o embaixador participou em massa e, como Henry e Ana, desceu do banco real para a capela, ela parou e curvou-se para Chapuys.

A etiqueta ditava que ele retornasse o gesto – um significante golpe diplomático, porque isso implicou em reconhecimento para o embaixador e, por extensão, seu imperador. Seria, como Bernard argumentou, extraordinariamente caprichoso de Henry querer ter Ana reconhecida como sua esposa se ​​ele já abrigava intenções de livrar-se dela logo depois.
Então não foi culpa, nem um golpe diplomático, nem o ódio de Henry por Ana que à levou a cair mas, ao invés disso, uma terrível combinação de boatos maliciosos e suas próprias indiscrições? 

Um poema escrito em Junho de 1536 por Lancelot de Carles, secretário do embaixador francês, relata que uma das damas de companhia de Ana, Elizabeth Browne, foi acusada de estar solta. Ela fez a luz de sua própria culpa declarando que “era pouco em seu caso, em comparação com o da rainha”. Essas palavras teriam alcançado Cromwell que, de acordo com de Carles, reportou-as à Henry; o rei empalideceu e, muito relutantemente, ordenou-o que à investigasse. Isso certamente se aliou com a releitura de Cromwell dos eventos. De Carles adicionou uma crucial e insubstituível claúsula, de que Henry disse a Cromwell que “se o seu relatório, que eu não quero acreditar que seja verdade, for falso, você irá receber a pena de morte no lugar do.” Então Cromwell pode ter tido razões para encontrar evidências que culpassem Ana. 

Dado que Ana foi acusada de conspirar para a morte do rei (a única acusação que realmente constituía em traição – adultério consensual não era coberta pela lei de traição de 1352), parecia que a evidência usada para demonstrar sua culpa foi uma conversa dela com Norris que William Kingston reportou.

Ana havia perguntado a Norris o por que de ele não ter ido adiante com seu casamento. Ele havia respondido que “he wold tary a time,” levando-a à suas fatídicas palavras: “you loke for ded men’s showys; for yf owth cam to the King but good, you would loke to have me.” Norris respondeu afobadamente – que “yf he should have any such thought, he wold hys hed war of” – provocou-a que “she could undo him if she would,” and “ther with thay felle yowt” (“assim eles caíriam”.)
Pode parecer que este ultrapassou os limites normais de "amor cortês" falando só um pouco. Mas a Lei de Traições de 1534 considerou que, mesmo imaginando a morte do rei era traidor, por isso, a conversa de Ana com Norris era culposa, descuidada e fatal - foi munição útil se Cromwell estivesse buscando por sujeira. Foi, como Greg Walker (autor de "Escrevendo sob tirania") sugeriu, não foi o que Ana fez, mas o que ela disse que a fez parecer culpada?
Quando se fala na queda de Ana Bolena, historiadores dão seus 'melhores palpites' para responder com base nas evidências disponíveis  –  que são demasiado escassas para serem conclusivas. Da minha parte, é o final da 'teoria arme-se' que me convence. Eu acredito que Ana era inocente, mas pega por suas palavras descuidadas. Henry foi convencido pelas acusações feitas sobre ela; foi golpe devastador da qual ele nunca se recuperou. Para Ana, claro, as consequências foram muito mais terríveis

*Artigo traduzido por Dinastias Inglesas. Texto original disponível em History Extra.


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