terça-feira, 17 de maio de 2016

17 de Maio de 1536 - O Diário de Ana Bolena


O rei foi mais uma vez misericordioso. Dispensou os meus amigos e o meu irmão do sofrimento de uma lenta agonia. Não obstante, estão todos mortos, com as cabeças separadas dos corpos, o sangue a inundar as botas do carrasco. Não me era possível ver o cadafalso da janela de minha prisão, de modo que solicitei a Lady Kingston que me levasse para ver tão monstruoso acontecimento provocado pela minha loucura. Juntou-se uma enorme multidão para assistir ao evento do dia - famílias inteiras com cestos de merenda, funcionários do governo de alta e baixa condição, dignatários estrangeiros, comerciantes que tinham fechado as suas lojas como se se tratasse de um dia festivo. O cadafalso fora erguido bem alto para que todos pudessem testemunhar a brutalidade e, assim, um por um, Norris, Weston, Breyerton e Smeaton tomaram os seus lugares. Do meu parapeito não me foi possível escutar as últimas palavras pronunciadas por homens tão corajosos, mas soube depois que nenhum deles me traíra, tendo apenas pedido que a misericórdia divina lhes permitisse morrer sem sofrimento. 
Quando meu irmão George chegou ao cadafalso, fez-se um profundo silêncio. As mulheres puxavam os filhos para que não vissem um condenado por incesto. Um homem gordo olhou-o com sorriso malicioso, recordando-se talvez de como sua irmã ou filha se retorciam por baixo de seu repulsivo peso. Vi um jovem nobre que, na sua inexperiência sonhava chegar à corte, olhar aquele espetáculo, imóvel como uma pedra. De certo sentia o medo correr-lhe nas veias, ao aperceber-se claramente do perigo mortal que representava sua ansiada profissão. 
Desejei desesperadamente atrair o olhar de meu irmão antes que inclinasse a cabeça, para lhe poder enviar todo o meu amor e receber o seu, para assim iluminarmos as nossas escuras viagens. Mas tinha os olhos fixos num ponto distante, os movimentos cheios de dignidade e escolhia cuidadosamente as suas últimas palavras, para que aquele ato final fosse recordado como belo e corajoso. Depois de se despedir, fez uma pausa e ergueu a cabeça para o céu azul, onde passavam grandes nuvens brancas. Recordei-me do dia ventoso em que queria arrebatar. Ah, como esse dia fora feliz e que esperanças tínhamos diante de nós. Olhei também para o céu para não o ver ajoelhar diante do carrasco. Escutei apenas a pancada surda e ouvi as aclamações daquela rude assistência. Voltei as costas, pois não desejava ver a fonte de sangue brotar do corpo de meu irmão por sobre o relvado de Tower Green. (...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário